E, subitamente, ouve-se da boca da criança uma das palavras que todos conhecemos mas que nunca imaginámos que ela também soubesse. Que fazer para enfrentar a maldição dos palavrões?
Sofia foi bastante precoce. Ainda não tinha dois anos e a mãe chocou-se ao ouvi-la dizer, quando tocou com a mão na torneira de água quente da banheira, que estava a escaldar: «f…!». «Se não foi a primeira palavra dela, foi das primeiras e quem ficou sem palavras fui eu! Nem reagi e como ela não a repetiu lá sosseguei. Só mais tarde percebi de onde veio o palavrão. A ama dela era do Porto e usava-a bastante, quase de forma coloquial e a Sofia ‘apanhou-o’. Felizmente que foi o único e ela não passou pela fase das ‘palavras feias’. Já o irmão…».
É um dos clássicos da infância. De repente, no meio de uma brincadeira, de uma conversa, de um desentendimento e/ou frustração ou mesmo sem razão aparente, a criança lança um palavrão, mais ou menos cabeludo. Há quem ria e aplauda e há quem se enerve e castigue. Há quem tente saber onde aprendeu a palavra e quem tente perceber se ela compreende o que acabou de dizer. E há quem mantenha a calma e não faça um bicho-de-sete-cabeças. É que um palavrão dito por uma criança pode ter significado e valor diferentes dos habituais.
«Mas onde é que ele aprendeu isto?», é a primeira pergunta que muitos pais fazem. Provavelmente em casa ou, pelo menos, nos grupos sociais em que a família está inserida. Segundo um estudo recente feito nos Estados Unidos, as crianças dizem cada vez mais palavras feias e cada vez mais cedo, mimetizando os comportamentos dos adultos já que também eles aumentaram o uso de asneiras.
Timothy Jay, professor de psicologia na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Massachusets e estudioso destas questões defende que as expressões insultuosas têm vindo a conquistar espaço no quotidiano e perto de um por cento do que proferimos em 24 horas são palavrões. «Mesmo aquilo que sussurramos baixinho quando nos magoamos ou quando desligamos o telefone após uma conversa irritante é registado pelas crianças que, mais tarde ou mais cedo, vão repetir o que ouviram.»
Assim, escutando-as regularmente, não admira que «quando as crianças iniciam a escola já conhecem todas as palavras proibidas», conclui o especialista, alertando igualmente para a multiplicação dos palavrões noutros cenários, com destaque para a televisão.
OLHEM PARA MIM!
E do conhecer ao dizer vai um pequeno passo. Entre os três os quatro anos, a criança está empenhada em alargar o seu vocabulário e começa a perceber que todas as palavras têm expressões e pesos diferentes conforme as circunstâncias e a entoação em que são utilizadas. E os palavrões, esses, são irresistíveis pelas reações mais ou menos inflamadas que provocam.
No segundo ano de infantário, prestes a fazer cinco anos, Pedro adquiriu um «reportório de fazer corar um camionista», recorda o pai. «E durante uns tempos usou-o bastante. Nós começámos por ralhar e até o pusemos de castigo umas vezes mas percebemos que não resultava. Tivemos de falar com a família para que não fizesse comentários, e em casa nós também não reagíamos, fazíamo-nos de surdos. O pior era em frente de estranhos. Ainda custou mas ele acabou por perceber que não tinha graça nenhuma e hoje não diz uma palavra feia. Pelo menos em família!»
Para Timothy Jay, mais do que proibir as asneiras – até porque elas servem «propósitos de desabafo ou de luta contra as pequenas frustrações» - o importante é passar a mensagem de que existe um tempo e circunstâncias para tudo. «Quando estava a crescer, a minha filha foi ensinada a nunca desrespeitar verbalmente os outros, mas não era castigada quando proferia usualmente uma palavra mais forte, especialmente se era em contexto de brincadeira com outras crianças ou apenas para si própria. Esse lapso era, pura e simplesmente, ignorado», recorda o psicólogo norte-americano. «Dizer palavrões na direção dos outros é como usar a buzina do carro: uma forma de chamar a atenção. Se esse objetivo não é atingido, não se volta a buzinar e usam-se meios alternativos e bem mais sociáveis», conclui.
CAIXA
Que fazer
A utilização de palavrões pela criança pode dever-se a vários tipos de razões e é importante perceber quais para atacar este hábito de forma eficaz:
- Repete o que ouve em casa = É importante que, antes de mais, se limite ou elimine o uso adulto das expressões que consideramos inadequadas no contexto familiar. Só então se pode esperar que a criança também as abandone. Se isso não acontecer, ela não compreenderá por que motivo é a única a ser chamada à atenção.
- Repete o que ouve a outra criança = Não dê demasiada importância, se forem casos pontuais. Mas se se repetirem, ajude-a a encontrar alternativas. Diga-lhe, por exemplo: «conheces tantas palavras bonitas. Vamos experimentar usá-las?»
- Está zangada ou perturbada = Demonstre que existem múltiplos termos para manifestar os seus sentimentos, sem usar palavras ofensivas. Podem até escolher um termo inócuo como «raios» ou «bolas» para ser usado nessas situações.
- Gosta da atenção = Se as reações que obtém são de surpresa, zanga desproporcionada ou mesmo sorrisos e gargalhadas, é natural que repita os palavrões quando deseja ser o centro da sala. Como para grandes males, grandes remédios, o melhor é respirar fundo e fingir que nada foi dito. Depressa a criança perceberá que é melhor usar outra estratégia para que reparem nela.
- Quer saber o que significam = Acontece frequentemente com termos ligados à sexualidade. Tente explicar, de acordo com a idade da criança, o que significam e proponha-lhe que use as palavras mais corretas para os designar.
Fonte: Revista Pais e Filhos
0 comentários:
Postar um comentário