sábado, 16 de janeiro de 2010

As crianças Indigo

Já foi falado aqui no blog, uma vez, mas merece toda a nossa atenção. Vamos agora ficar a saber um pouco mais sobre o que são as crianças Indigo.

Índigo pode ser a cor da aura das crianças telepáticas e com capacidades psíquicas. Mas índigo também é a cor do dinheiro da venda de livros e vídeos, organização de cursos e terapias para estes meninos.

Dois filhos, dois índigos. Elsa Santos nem precisou de mandar estudar a aura das crianças. Os sinais eram claros. Rebeca, de nove anos, e Gustavo, de sete, sempre foram muito «sensíveis, avessos à autoridade, detectores de mentiras, com um enorme sentido de justiça». A mãe enumera, orgulhosa, estas características sempre invocadas pelos defensores da existência de crianças índigo: esses «novos seres, fruto da evolução humana, dotados de inteligência espiritual». Mas os sinais não se ficam por aqui.

O pequeno Gustavo demorou a falar. Enquanto os bebés à sua volta já dominavam o «pato», «chupeta», «cão», o Gustavo esperou pelos dois anos para dizer as primeiras palavras. Há muitos bebés tardios, sem que isso signifique nada de especial, mas Elsa vai mais longe: «Ele não falava pela linguagem normal, mas comunicava telepaticamente comigo. Fazia-se entender perfeitamente». Confere. As teorias índigo falam desta capacidade e até relatam casos de crianças consideradas autistas pela medicina convencional porque não comunicavam de forma alguma – e, afinal, os especialistas índigo descobriam que elas não usavam palavras porque não precisavam. Comunicavam por telepatia.

A Rebeca, por seu lado, é uma esponja de energias, um termómetro de sentimentos, uma menina super-intuitiva. Há muitas assim, diria um céptico. Mas a mãe explica melhor: «Às vezes, entramos num sítio e ela diz-me para irmos embora porque existe uma energia negativa. Acontece muito em centros comerciais». São sítios barulhentos, claustrofóbicos e muitas pessoas se sentem mal ao visitá-los.

Mas há mais. A Rebeca fala com amigos imaginários – ?um clássico da infância – e isso chamou a atenção da mãe. «Não são imaginários. Nós não somos seres isolados neste universo, há outras entidades, há anjos que nos acompanham. Acredito que a minha filha tem a felicidade de comunicar com eles», diz Elsa.

Há outra capacidade que os filhos de Elsa partilham: vêem auras. «Quando olham para alguém, detectam uma aura colorida, com tons variados. Tenho pena de não as ver, mas acredito neles e não é nada do outro mundo. É o campo magnético de cada um», diz. A mãe sabe que nem todos partilham estas convicções e já explicou às crianças que não convém falar disto com qualquer pessoa.

ORIENTAÇÃO ÍNDIGO

A família de Elsa Santos encontrou acolhimento na Fundação Casa Índigo. Lá, os irmãos frequentam o curso de «auto-consciência Índigo», aos sábados de manhã. Esta «catequese» para crianças índigo, entre os três e os 12 anos, pretende ensiná-los a lidar com as suas características através de «pensamento positivo em sintonia com as leis do universo, harmonização, sabedoria e amor incondicional». É o que diz o folheto da Casa Índigo, mas também fazem um pouco de yoga, meditação, conversa. «E trazem sempre um desenho para a mãe!», conta Elsa.

Também nós fomos recebidos de braços abertos no rés-do-chão de um prédio em Caparide, Cascais. A praceta Dom João I não foi fácil de encontrar, mas o enorme letreiro em azul, claro, indicou-nos o caminho para a Fundação, registada como IPSS, Instituição Particular de Solidariedade Social. O cheiro a incenso Nag Champa também não enganava. A recepção é uma verdadeira montra onde livros, filmes, CD de música relaxante, ursinhos de peluche vestidos com t-shirt da Casa Índigo, uma bandeira da paz e medicamentos naturais apelam aos ímpetos consumistas dos pais.

Os títulos mais vendidos são os de autoria de Tereza Guerra, fundadora da Casa Índigo, ex-professora de Filosofia que deixou o lugar de inspectora do Ministério da Educação para se dedicar por inteiro às crianças da Nova Era. «O fenómeno está a acelerar. Actualmente, 90 por cento das crianças que nascem em todo o mundo são índigo», diz. Um número não comprovável, admite.

O FUTURO É DELES

O aumento do número de índigos significa que, daqui a uns anos, os humanos vão comunicar telepaticamente? Tereza confirma: «Há 30 anos, os nossos avós também não acreditariam se nos vissem a falar ao telemóvel!»

Não existem, desde sempre, pessoas especialmente dotadas? Seriam Jesus, Buda ou Gandhi seres índigo? «Sim, claro. Só que antigamente nascia um índigo de 100 em 100 anos. Agora são aos montes», diz. O futuro promete.

Na Casa Índigo, é Tereza Guerra quem recebe os meninos, quem faz o diagnóstico e planeia o acompanhamento: «O primeiro passo é fazer à criança a uma série de testes: de QI, emocionais e comportamentais. Esta primeira consulta tem um valor de 70 euros. Seguem-se as sessões de continuidade, a 50 euros, em que a criança é submetida a vários tipos de terapia. Usamos sempre a psicologia e depois, consoante as necessidades, faço terapia com os Florais de Bach – mistura de essências de flores adaptadas à personalidade de cada um – leitura natural de aura, reiki ou yoga».

Por mais que os defensores da teoria índigo digam que não se trata de uma crença mas de um facto, a ciência contraria-os. A física não prova a existência de auras, a neurologia não confirma os novos cérebros, a psiquiatria desmente tudo. Daniel Sampaio, psiquiatra que se tem dedicado aos problemas dos jovens e da família, afirma: «O fenómeno índigo não faz parte da classificação internacional de doenças, que são confirmadas por dados científicos. A medicina é baseada na evidência e, em 2009, não há nenhuma prova de que esta evolução das crianças índigo seja real».

A POLÉMICA

Uma incursão pelo mundo das crianças índigo parecia uma coisa fácil, simples, pacífica. Mas a nossa reportagem experimentou tudo menos facilidade, simplicidade ou paz. Tudo começou com o facto, curiosíssimo, de a Fundação Casa Índigo ter na sua página inicial da internet (www.casa-indigo.com) a informação de ter sido registada como Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) pelo Ministério da Educação em 11 de Outubro de 2008. O aviso estava lá em jeito de cartão de visita.

Contactámos o Ministério de Maria de Lurdes Rodrigues, para saber que tipo de mudanças de filosofia educativa ou nova era curricular inspiraram o registo como IPPS de uma instituição que se destina ao estudo de «crianças índigo, cristal, crianças dotadas, sobredotadas, super-psíquicas». E que desenvolve actividades como cura energética de aura, cura prânica avançada ou contacto consciencial com seres de luz.

Do Ministério da Educação a resposta foi que não tinham nada a ver com o caso e enviaram-nos para o Ministério da Solidariedade Social, que nos reenviou para a Educação, que afinal já tinha telefonado para a Casa Índigo a exigir que retirassem o seu nome do site da Fundação. Por fim, chegou a resposta oficial do Ministério da Educação, confirmando que a Casa Índigo é uma IPSS: «O registo de uma entidade como IPSS é um acto administrativo, tal qual o registo de uma empresa. Neste caso, dá utilidade pública à instituição. Não há qualquer irregularidade no registo efectuado». Mas dá que pensar.

O «MINISTÉRIO» DOS ÍNDIGOS

A polémica com a Casa Índigo já tinha mordido os calcanhares do Governo, quando um curso para professores sobre crianças índigo foi acreditado pelo ministério da educação contando para efeitos de progressão na carreira. O Bloco de Esquerda protestou na Assembleia e o ministério retirou a acreditação, esclarecendo que ninguém lhes tinha falado de auras, índigos ou cristais. A Casa Índigo perdeu dinheiro. No primeiro curso, acreditado ministerialmente, contou com a 30 professores, a 100 euros a inscrição. Ao segundo, já sem acreditação só apareceram dez docentes.

O INÍCIO

Nancy Anne Tappe, uma parapsicóloga americana, foi a primeira a registar um aumento de crianças com aura azul. Mas foi com a publicação de «As crianças Índigo» de Lee Carroll, em 1999, que o fenómeno ganhou uma bíblia. Os sintomas: inteligentes, sensíveis, com tendência hiperactiva; a missão: limpar o mundo da guerra, lixo e comida processada; as frustrações: se forem impedidos de seguir esta missão podem tornar-se perigosos, depressivos e ter de ser institucionalizados. Está lá tudo.

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